RUA NOVA, 187, 200 e 318
Por, Ricardo Sobral, advogado
Peço aos leitores que sejam benevolentes comigo.
Sobejam razões que fundamentam minha súplica.
Meus textos são meramente diletantes, sem pretensões.
Depois, escrevo através do teclado do telefone. Não raro, digito uma letra errada, o corretor ortográfico migra para outra palavra. Dias desses, escrevi ração saiu raça, totalmente fora do contexto. Noutra feita, escrevi poder, saiu outra coisa. Ademais, escrevo em estado de preguiça, deitado numa rede – que é o meu reinado -, sem consultar anotações e sem revisar o texto final, saindo o mesmo tal qual foi escrito. Como se não bastasse, não é sempre que resisto à tentação de mentir ou lorotear. É que às vezes o texto precisa ser romanceado para ganhar força narrativa. Não minto para me engrandecer, sem para prejudicar ninguém. Consola-me saber que meus leitores não mentem.
Não faz muito tempo, na companhia de um deles percorri a Rua Nova de ponta a ponta. Da Praça da Independência à Ponte da Boa Vista.
Quando chegamos em frente ao número 187, ele disse-me que o avô dele, italiano, kaba macho, casado no Brasil com italiana, próspero comerciante, dono de engenho em São Lourenço da Mata, mantinha várias propriedades só para caçar . Descançou, respirou e disse bem sério:
- Sou primo legítimo do ator fulano de tal.
- O gay mais notório do cinema italiano – comentei.
- Bem! Eu não tenho certeza se era primo, parente distante ou vizinho – apressou-se ele.
Um pouco mais, parei em frente ao número 200. Alí, Clotilde deixou-se engravidar solteira. O pai, Jaime Favais, descobriu que o sedutor também transava com sua mulher, Josefina.
Mandou matar o Dom Juan e emparedou a filha viva em um dos banheiros do sobrado.
Em 1886, o escritor Joaquim Carneiro Vilela publicou o livro ‘A Emparedada da Rua Nova.’
No Recife, ainda hoje circula a lenda urbana, segundo a qual as almas de Clotilde e seu bebê rondam o sobrado malassombrado.
Mais adiante, no número 318, esquina com a Rua da Palma, deparei-me com o prédio-palco da tragédia que mudaria a história do Brasil. Ali funcionava a Confeitaria Glória, onde, às 17h30 do dia 26 de julho de 1930, o jornalista e advogado João Dantas matou João Pessoa, presidente (governador) da Paraíba.
Pessoa, como candidato a vice de Vargas, havia sido derrotado por Júlio Prestes para Presidente da Répública.
O crime causou comoção nacional e foi o estopim da Revolução de 30. Washington Luiz foi deposto, Prestes não assumiu a Presidência da República e Vargas ficou no Poder por 15 anos.
A Rua Nova fica no Bairro de Santo Antônio, Centro do Recife. Lá, se pode rezar na Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares e na Matriz de Santo Antônio, dois belos monumentos da terra de Gilberto Freire, morador de Apipucus, imortalizado por sua obra prima Casa Grande & Senzala.
Qualquer dia, de preferência na companhia de um amigo-leitor, obviamente que não goste de mentir, vou fazer o percurso inverso da Rua Nova: da Ponte à Praça.
Quem vai?